A
liberdade de expressão é uma característica imanente às sociedades
democráticas: “todo o indivíduo tem
direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não
ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem
consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”
(artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem).
O
Decálogo de Bertrand Russell faz afirmações ideologicamente consistentes com a Declaração sobre
a liberdade de expressão: “…Não uses o
poder para suprimir opiniões que consideres perniciosas, pois as opiniões irão
suprimir-te; …Não tenhas medo de possuir opiniões excêntricas, pois todas as
opiniões hoje aceites foram um dia consideradas excêntricas”.
Após
os homicídios perpetrados por células denominadas jihadistas no jornal satírico “Charlie Hebdo”, nas ruas e num
supermercado kosher de Paris, a
discussão sobre a liberdade de expressão ganhou um novo espaço
público. E este espaço foi aberto nos meios de comunicação e nas ruas das
cidades dos países ocidentais e de países de confissão muçulmana, desde o Médio
Oriente ao Paquistão, passando pelos países africanos. Portanto, os
acontecimentos do início de Janeiro de 2015 consubstanciam ataques à liberdade
de expressão e, no caso específico do jornal “Charlie Hebdo”, à liberdade de imprensa,
como manifestação da liberdade de expressão.
A
condenação dos atos praticados foi unânime e consensual, se excluirmos a
opinião manifestada por alguns grupos sunitas de países maioritariamente muçulmanos,
que se manifestaram ruidosamente nas ruas contra o jornal e contra a morte dos
membros das células jihadistas.
A
condenação dos atentados baseou-se no argumento segundo o qual os homicídios levados a
cabo foram desencadeados e justificados pela publicação de ideias e imagens que
ofendiam a religião muçulmana por parte do “Charlie Hebdo”. Portanto, os
jihadistas fizeram justiça por mãos próprias, retirando a vida a pessoas que
exprimiram publicamente ideias diferentes das suas. Isto é, os fundamentos das
sociedades democráticas foram atacados frontalmente. Além disto, estes actos
foram praticados por crentes da religião muçulmana no interior de um país
eminentemente católico e democrático, membro da União Europeia (UE).
A
unanimidade foi contudo quebrada quando alguns opinantes, o Papa, alguns
movimentos e forças políticas e sociais que introduziram um outro argumento: mesmo
nas sociedades democráticas a liberdade de expressão tem limites; atreveram-se
mesmo a teorizar sobre alguns desses limites como seja a ridicularização dos
símbolos da fé religiosa e das crenças de indivíduos e de grupos.
E
é com este argumento que a democracia liberal e a liberdade de expressão e de
informação sofrem o segundo ataque. Tão violento ou talvez ainda mais violento que o atentado
terrorista contra o “Charlie Hebdo” e o supermercado “kosher” de Paris. A liberdade de expressão não pode ser limitada
pelos estados ou pelos governos. A melhor opção é a auto-regulação e a regulação
pelos pares incentivando uma troca de ideias e expressões artísticas e
plásticas que podem e devem atingir e ultrapassar os limites da radicalidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário