A solidariedade corresponde à prática de ações e à expressão de sentimentos destinados a ajudar as pessoas individualmente ou os grupos, partilhando ao mesmo tempo o seu destino.
Muitas vezes mistura-se o conceito de solidariedade com o conceito de caridade social. A solidariedade implica comunhão com aquele que tem dificuldades económicas, está desempregado, sofre de uma doença incurável ou profundamente incapacitante ou foi marginalizado por razões étnicas, raciais, de género, de credo ou de convicção política e ideológica.
A questão da solidariedade é tão importante para as relações sociais que os estados tomaram nas suas mãos, durante o século XX e na Europa, a construção de sistemas organizados de solidariedade social que permitem distribuir pelas pessoas mais desprotegidas alguns dos rendimentos das pessoas mais ricas. Estas sociedades procuraram garantir ao maior número de pessoas possível as mesmas oportunidades para que todos pudessem exprimir todas as suas potencialidades. Um dos exemplos de aplicação desta filosofia política é o dever do pagamento de impostos por todos os cidadãos, garantindo a todos a escolaridade, o acesso à saúde ou à justiça.
Quando falamos em solidariedade, muitos lembram-se dos movimentos de cidadãos que recolhem donativos, em dinheiro ou em géneros alimentares, tentando desta forma aliviar o sofrimento dos mais pobres ou daqueles que foram subitamente atirados para uma situação precária por estarem doentes ou desempregados. E são, na verdade, movimentos que tentam ser solidários. Mas a solidariedade é mais do que comprar um litro de leite e deixá-lo nas mãos de um voluntário. Neste caso concreto, a solidariedade incluirá também o entendimento de que as carências alimentares têm causas muito objetivas, designadamente o facto de existirem pessoas que, por exemplo, não têm emprego ou estão muito endividadas.
O século XXI começou com apelos insistentes aos individualismos, à promoção das pessoas que se tornaram os vencedores e à compreensão pelo facto de, inevitavelmente, muitas outras terão de ser excluídas definitivamente das oportunidades e da felicidade. Surgiram, assim, muitas organizações não governamentais que procuram integrar as pessoas excluídas. Algumas destas organizações são mesmo de inspiração cristã. Contudo, o seu trabalho, a todos os títulos louvável, tem-se mostrado insuficiente.
Com o que disse não quero dizer que a solidariedade não possa ser praticada fora das organizações governamentais ou que os estados devem concentrar todos os esforços sociais. Mas tenho que reconhecer que o papel das instituições e das políticas públicas é fundamental.
Mas a solidariedade também deve ser acarinhada por cada um como uma forma de praticar gestos individuais que permitam diminuir a solidão, a dor, a carência e a exclusão dos outros. Dos nossos colegas de escola que pertencem a outras etnias ou classe social, das crianças portadores de doenças crónicas que estão constantemente internadas e a quem um brinquedo ou um sorriso traz esperança.
Um aspeto da solidariedade, nem sempre tido em consideração, é o valor relativo do próprio ato solidário. Este valor relativo não tem um julgamento objetivo. Contudo, eu acho que tem maior valor relativo o ato de um desempregado doar um litro de leite, comprado com o seu magro subsídio, para ajudar a alimentar aquelas pessoas que vivem nas ruas, do que exatamente o mesmo ato praticado por alguém que vive desafogadamente dos seus rendimentos.
Além disso, a solidariedade não deve focar-se apenas em questões materiais e económicas. Com a afetividade, a empatia e a tolerância podemos praticar grandes atos de solidariedade.
Por todas as questões que levantei e muitas outras que outros poderão levantar, o tema da solidariedade, aparentemente consensual, traz-nos à consciência a necessidade de a discutirmos em todos os seus aspetos.
Não gostaria de terminar sem referir um aspeto que pode ser considerado provocatório: a influência nefasta da solidariedade, quer quando praticada individualmente no contexto das relações entre as pessoas, quer pelas organizações não-governamentais ou pelos governos. Na verdade, o objeto do ato solidário, seja ele o desempregado, a vítima da pobreza extrema ou, pura e simplesmente, o infeliz, podem ficar dependentes dos atos solidários. Estas pessoas podem sentir-se confortáveis na sua situação de dependência e abdicar de desempenhar um papel social ativo. A sociedade tem assim de prestar solidariedade sem criar dependência económica ou afetiva.
No seu sentido mais profundo, os atos solidários devem contribuir para reduzir o sofrimento e, simultaneamente, contribuir para a reinserção social e pessoal.
Sem comentários:
Enviar um comentário