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domingo, 28 de abril de 2013

Comentários sobre o discurso do Presidente da República

"... importa destacar o equilíbrio das contas externas, um resultado que não era atingido desde há muito. De uma situação crónica de desequilíbrio, Portugal passou, em 2012, para uma situação excedentária na sua capacidade de financiamento ao exterior."

É verdade que a balança de pagamentos atingiu o equilíbrio em 2012, apresentando mesmo um excedente. Mas este facto depende, fundamentalmente, da queda do consumo e do investimento com a consequente queda das importações. O mesmo fenómeno ocorreu na Grécia, e é difícil assegurar que se manterá quando a economia deixar de apresentar quedas do produto interno produto (PIB) para passar a uma fase de crescimento económico. Aliás o próprio Presidente reconhece a incerteza deste facto positivo e, naturalmente, a incerteza a ele associado.

"... através da execução do Programa (de Ajustamento Económico e Financeiro - PAEF) foi possível reforçar a solidez do sistema bancário. Os bancos foram recapitalizados e apresentam hoje bons rácios de solvabilidade. Os Portugueses têm razões para manter a confiança no nosso sistema bancário". Mas acrescenta: "...O facto de as unidades produtivas, que exportam bens e serviços e que criam riqueza e emprego, suportarem encargos de juro muito superiores às suas congéneres europeias prejudica seriamente a sua competitividade, afeta as decisões de investimento e, no limite, põe em causa a sua própria sobrevivência". 

Desta forma, o Presidente critica de forma implícita as dificuldades na disponibilização de crédito às empresas, por parte dos bancos. Na verdade era previsível que este fenómeno acontecesse, na medida em que toda a nossa economia apresenta riscos de investimento elevados. Aquilo que deveria ter sido acrsecentado neste ponto é que o BCE financia os bancos a taxas muito mais reduzidas do que as taxas praticadas por estes junto das empresas.

Depois faz uma referência à concertação social e à sua importância quando afirma que será preciso manter um "...esforço renovado e permanente de diálogo e compromisso em sede de concertação social". Passou em branco a oportunidade de criticar o Governo pela displicência com que trata este assunto e a sobranceria com que não reconhece qualquer interesse aos parceiros sociais, designadamente aos sindicatos.

Mais à frente aponta as limitações dos resultados do PAEF quando diz "... problema mais dramático que Portugal enfrenta: o agravamento do desemprego e o aumento do risco de pobreza, em resultado de uma recessão económica cuja dimensão ultrapassa, em muito, as previsões iniciais". Trata-se de um reconhecimento justo da realidade. E aprofunda ainda mais a sua análise concluindo que "... alguns dos pressupostos do PAEF não se revelaram ajustados à evolução da realidade, o que suscita a interrogação sobre se a «troika» não os deveria ter tido em conta mais cedo". É uma crítica à tróica mas deveria ter sido mais contundente na análise, incluindo também o Governo. E, além do mais, esta crítica deveria ter sido acompanhada por uma referência adicional que consiste em criticar o Governo por ter afastado o partido socialista (PS) das discussões efectuadas em cada avaliação periódica.     

Justificando a incapacidade de cumprir as metas estabelecidas para o défice do Estado, acrescenta que "... o défice primário estrutural terá sofrido uma redução de 6 pontos percentuais do PIB nos últimos dois anos". Nesta parte, segue a argumentação do Governo, esquecendo os contributos próprios da qualidade e da quantiadade das medidas recessivas aplicadas. Volta a criticar a Europa e a tróica pela inaptidão na aplicação do PAEF, apagando qualquer referência à incompetência do Governo. Se o Governo governa Portugal é o principal responsável máximo. Se não é o responsável último por esta política então não governa Portugal.         

O Presidente tem sempre algum receio, latente em todos os seus discursos que os portugueses, tomados como povo, sejam irresponsáveis. Neste enquadramento avisa "que é uma ilusão pensar que as exigências de rigor orçamental irão desaparecer no fim do Programa de Ajustamento, em meados de 2014". E prossegue com clareza discursiva afirmando que "...para alcançar estes objetivos, Portugal terá de manter superavites primários muito significativos durante um longo período". Omite qualquer referência ao modo como será possível conseguir estes superavites no contexto de recessão ou de crescimento anémico da economia. Mas é possível responder: empobrecendo progressivamente até a um limite imprevisível.

Colocando-se no final do PAEF afirma de forma categórica que "Nessa altura, o País tem de estar em condições estruturais de credibilidade e governabilidade capazes de garantir a confiança das instituições da União Europeia e dos mercados financeiros, pelo que, no plano político, é imperioso preservar a capacidade de gerar consensos em torno do caminho a seguir para alcançar os grandes objetivos nacionais". Faz bem em projectar o futuro mas, atendendo à forma como os partidos do poder criaram condições para a criação de consensos nos últimos dois anos talvez valesse a pena ter deixado uma nota específica que lhes fosse dirigida de forma particular.    

"Se se persistir numa visão imediatista, se prevalecer uma lógica de crispação política em torno de questões que pouco dizem aos Portugueses, de nada valerá ganhar ou perder eleições, de nada valerá integrar o Governo ou estar na Oposição". Traduzindo de forma benigna: a democracia não é o regime político adequado para Portugal. O país tem partidos inconsequentes, que querem tomar o poder, imaturos nos propósitos e nas estratégias. Alto, que não podem contribuir para criar instabilidade que contribua para derrubar o Governo! 

O Presidente descrê de políticas alternativas, descrê portanto da democracia. Apela mesmo a que, perante a circunstância de não haver alternativa, "... não se deve explorar politicamente a ansiedade e a inquietação dos nossos concidadãos".

O Presidente impõe portanto, o consenso, porque é "... essencial alcançar um consenso político alargado que garanta que, quaisquer que sejam as conceções político-ideológicas, quaisquer que sejam os partidos que se encontrem no Governo, o País, depois de encerrado o atual ciclo do programa de ajustamento, adotará políticas compatíveis com as regras fixadas no Tratado Orçamental que Portugal subscreveu".

Assume o apelo ao crescimento económico como fundamental, afirmando que "... Sem crescimento económico, não haverá consolidação orçamental sustentável e de longo prazo". O PS está de acordo. O Governo agora, também parece estar de acordo. Espero que sejam dois tipos de crescimento, com características diferentes.

A sua crítica final vai para a Europa: "As instituições financeiras internacionais, fazendo uso da sua força persuasiva enquanto credores, terão induzido os governos dos países em dificuldades a aplicarem medidas que violam regras básicas de equidade, regras que constituem alicerces das sociedades democráticas contemporâneas. Ameaçando a coesão e a paz social, perturbaram a estabilidade das democracias constitucionais e geraram novos sentimentos antieuropeus". As instituições financeiras são um conceito inimputável. Por isso, pode-se-lhe dirigir uma crítica, sem margem para segundas interpretações: "As instituições financeiras internacionais, fazendo uso da sua força persuasiva enquanto credores, terão induzido os governos dos países em dificuldades a aplicarem medidas que violam regras básicas de equidade, regras que constituem alicerces das sociedades democráticas contemporâneas. Ameaçando a coesão e a paz social, perturbaram a estabilidade das democracias constitucionais e geraram novos sentimentos antieuropeus."

Portanto, crítica à oposição, às instituições financeiras e à Europa política. O que o Governo fez de mal foi culpa das ditas instituições e da Europa. O que fez de bem derivou da aplicação do PAEF. Não se tentem com a ideia de abrir crises políticas. Não contem comigo para isso. Até porque, após o fim do PAEF, Portugal continuará condicionado. A estabilidade e os consensos são fundamentais. Resta saber a que custo. E, acima de tudo, qual é o nosso destino. 

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