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sexta-feira, 29 de março de 2013

Sócrates não estudou filosofia

A entrevista de José Sócrates à RTP mostrou um político igual a si próprio: hábil, determinado, corajoso. Revisitou a história dos acontecimentos recentes, aqueles que ocorreram entre 2008 e 2011. Explicou a sua posição nesses acontecimentos. Defendeu-se, atacando. Construiu uma racionalidade sobre o período que mediou entre a apresentação do PEC IV e a assinatura do memorandum com a troika. Não restam dúvidas que Sócrates tentou, por todos os meios e também por interesse pessoal, evitar o resgate do país. E não há dúvida que os partidos da oposição e o presidente boicotaram esse esforço. Em Março de 2011, a oposição, partidos e presidente, recorrendo às alianças mais improváveis aproveitaram a confluência dos cenários político, económico e financeiro para derrubar o seu governo minoritário. Sócrates tinha que atravessar uma ponte suspensa com cordas e contava, aparentemente, com o apoio do Conselho Europeu, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia. O país foi a eleições e escolheu outro caminho para enfrentar a crise.

A entrevista foi esclarecedora do ponto de vista histórico e foram repicadas algumas linhas de argumentação fundamentais para a compreensão dos acontecimentos ocorridos no início de 2011.

Contudo, faltaram alguns elementos que podem ser decisivos para o estudo daquilo que está a acontecer ao país. Quais as consequências para a Europa e a crise do euro da precipitação do resgate de Portugal no 2.º semestre de 2011? Como vê José Sócrates o futuro de Portugal no contexto europeu e da zona euro? Qual é, enfim, a perspectiva do antigo primeiro-ministro sobre a posição geo-estratégica de Portugal no espaço europeu? Porque se trata mais da Europa afinal, que de Portugal.

Esperava um pouco mais de introspecção reflexiva. Pela influência da estadia em Paris, não pelo percurso anterior de José Sócrates. Não conseguiria escrever um livro sobre os acontecimentos e sobre a presença à frente do governo entre 2005 e 2011. E seria muito útil. Mas Sócrates é um político de acção. A filosofia é muito, muito, instrumental. A filosofia é apendicular do comportamento político.

Portugal está hoje pior do que em Junho de 2011. Não sabemos se o país estaria melhor se José Sócrates tivesse ganho as eleições legislativas antecipadas; ou mesmo, se teria sido possível evitar o resgate da troika se o PEC IV tivesse passado na Assembleia em Março de 2011. Em todo o caso, devo dizer que o exercício de transplantar a realidade portuguesa sem intervenção da troika para a história da Europa relativa ao 2.º semestre de 2011 é muito estimulante intelectualmente. Lembremo-nos que foi no 2.º semestre de 2011 que a especulação dos mercados atingiu as dívidas soberanas da Espanha e da Itália.


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