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sexta-feira, 21 de março de 2008

Uma escolha

S. bebericava uma xícara de café na mesa junto à montra. Traçou as pernas e afastou os olhos do livro, que fingia para si própria estar a ler. Áquela hora, os sons que a envolviam vinham do exterior. A pastelaria estava vazia, com excepção de uma mesa localizada nos fundos, onde um casal de namorados autodidactas se beijava de forma desajeitada.
Pensou no seu dia de folga. O M. devia estar a chegar. Tinham combinado passar o dia juntos. Eram namorados há vários anos e num dia daqueles o programa era quase sempre o mesmo. De uma quietação morna, como o café que estava a beber há longos minutos.
Nunca tinha sonhado amar um homem como o M. A vida não tinha conjecturas. O que quer que planeassem em conjunto estava previsto. Já sabia que lhe iria sorrir daqui a pouco, e que diria qualquer coisa do tipo “Olá!”. E seria recompensada por um sorriso fácil de compreender.
Nos romances existem sempre estes momentos. Mas mais exultantes.
A verdade é que estava entusiasmada por outra pessoa. Acabava de confessar a si própria esta certeza. O A. usava conceitos estranhos para se referir tanto às coisas simples como às complexas. Insistia em procurar a agressividade mais profunda que as palavras encerram. Parecia estar sempre a lutar contra qualquer coisa.
A paixão pelo A. prosperava a cada linha do seu pensamento.
Teria de contar tudo ao M. e fugir dali para fora. Telefonar ao A. e convencê-lo de que a história da humanidade se faz das tentativas de apaziguamento de estados de ansiedade semelhantes aos que eles viviam.
Mas, e se não encontrasse o A.? fosse porque o telefone estava desligado ou porque a cobertura de rede fosse insuficiente? seria irracional abandonar o M. e aquele plano perfeito para o dia da folga.

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