A praia é um lugar com muitas histórias. Histórias de lugares e de pessoas. As histórias que vivemos ou imaginamos. As histórias das nossas memórias e das memórias dos outros. A literatura sempre consagrou as tardes de Maio e de Setembro. Seria justo escrever também sobre as tardes de Agosto. Têm um sortilégio específico. São mais luminosas e mais felizes. Não há ainda a ansiedade do Outono.
As tardes de Agosto têm uma penumbra escassa. Nos bares da praia não corre tristeza, só os restos do vento que vem do mar. E mesmo esse, parece estar sempre animado.
Sentado no bar da praia ouço com muita dificuldade o rumor das ondas. E as vozes são mais gritos ou risos, conforme a nossa alma.
Pedi uma água tónica com muito gelo. O gelo e o tempo estão coordenados entre si: quero ficar aqui muito tempo. Tenho um livro: qualquer coisa sobre a gestão de um processo ou de uma estrutura. A observância do preceito obriga-me a iniciar a leitura.
"Depois do jantar querem ir aos bares de Albufeira?". Alguém com voz masculina perguntava em tom brincalhão aos amigos. A mesa em que se reuniam estava atrás de mim. As respostas não se fizeram esperar: um riso acompanhado de "boa ideia!", no feminino, o clássico "se quiserem...", no masculino, e o silêncio subsequente. Deixei a gestão e olhei para trás. Admiti que ouvesse mais alguém e que todos esperavam a sua resposta. Fiquei com aquela curiosidade que nos ataca quando queremos saber mais da vida dos outros, quando queremos conhecer as histórias da praia. "Vou ver se o António atende o telemóvel!". Os olhos dos amigos fixavam-se nela enquanto abria o saco para retirar o aparelho. "Não sei a que horas chega a casa".
O António não atendeu o telemóvel. Não iria atendê-lo durante toda a tarde. Os amigos foram para a beira do mar. Nestas histórias, simples de tão comuns, o pôr-do-sol também se aproxima. Talvez mais depressa, porque a poesia é menos eloquente.
A rapariga-que-queria-que-o-António-atendesse-o-telemóvel estava agora a jantar com os amigos no bar da praia. "Não quero saber mais. Estou farta de telefonar!". Os telemóveis têm estas virtualidades: desligados permitem isolar as pessoas do mundo. A caneca de cerveja foi esvaziada de um trago e as gargalhadas redobraram.
Afinal o António não existia, pensei. Caso contrário, tinha atendido os inúmeros telefonemas frustrados da rapariga. Deveria ser uma construção da sua imginação.
A rapariga-que-queria-que-o-António-atendesse-o-telemóvel era bonita, e estava cada vez mais atraente. Deixou de ter aquele gesto repetitivo de marcar números num telemóvel pequenino. A liberdade torna as pessoas bonitas.
Na manhã do dia seguinte, a rapariga-que-queria-que-o-António-atendesse-o-telemóvel voltou para casa. Sem os amigos. O António dormia ainda. Deitou-se ao lado dele e fechou os olhos. Um sorriso perspassou pelos seus lábios, antes que a respiração se tornasse profunda.
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