Pesquisar neste blogue

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Manoel de Oliveira (1908-2015)



O Manoel de Oliveira morreu ontem à tarde. Tinha 106 anos e dezenas: de longas-metragens, de curtas-metragens, de documentários, de prémios internacionais, de condecorações, de homenagens.


Nasceu, iniciou a sua filmografia (Douro, Faina Fluvial) e morreu na cidade do Porto. Uma cidade que povoou as suas memórias (Porto da Minha Infância) e inspirou o seu humanismo (Aniki Bóbó). Quando vi este filme pela primeira vez não conhecia Manoel de Oliveira e incluí-o na grande amálgama de filmes do cinema português dos anos trinta e quarenta. Era, contudo, um filme dissonante. Foi mal recebido pelo público da altura (1942) e pateado nas salas de cinema.


A morte de Manoel de Oliveira foi um acontecimento triste. Para Portugal. O presidente da república leu uma mensagem comovente e apareceu na cerimónia fúnebre. Pôde fazê-lo porque Manoel de Oliveira não o afrontou especificamente. Tal não foi o caso de José Saramago. Cavaco Silva confunde a função com a pessoa e acha que a função se chama Cavaco Silva. Chama-se a isto o narcisismo político ou a tacanhez de um político.
 

Manoel de Oliveira faz parte da história de Portugal que conhecia como ninguém a partir dos seus segredos (Cristovão Colombo – o Enigma), tragédias (Non, ou a Vã Glória de Mandar, Le Soulier de Satin), mistérios (O Velho do Restelo) e revelações (Quinto Império, Um Filme Falado). 


Provavelmente não era um cineasta mas um sonhador das suas próprias histórias e das histórias da literatura (O Gebo e o Homem, Amor de Perdição, A Carta, Os Canibais, Francisca). Admirava profundamente o povo português a partir da cultura popular (O Acto da Primavera) e das figuras que construíram a sua identidade como é o caso do Padre António Vieira (Palavra e Utopia), de Agustina Bessa-Luís (Francisca), de Camilo Castelo Branco (Amor de Perdição), de Eça de Queiroz (Singularidades de Uma Rapariga Loura) ou de Machado de Assis (Igreja do Diabo).  


E sempre a tragédia amorosa. Os portugueses envolvidos na saudade permanente do amor, por vezes de um amor religioso (O Passado e o Presente, Benilde ou a Virgem Mãe, O Princípio da Incerteza, Belle Toujours, O Estranho Caso de Angélica). Uma mulher muito especial, simultaneamente portuguesa e onírica.


Hoje ficámos a saber que todas as grandes figuras públicas e políticas admiravam –de longa data- a filmografia de Manoel de Oliveira e o homem. Eu acho que a maior parte dos portugueses não conhecem os seus filmes (excluindo Aniki e Bóbó), insubordinaram-se durante as exibições dedicadas às escolas do Amor de Perdição, tinham inveja da sua longevidade e têm a consciência que a sua obra era reconhecida no estrangeiro, em festivais de cinema e por países relevantes na cultura europeia(a França ou a Itália). Sabiam ainda, que muitos actores estrangeiros de renome entraram nos seus filmes (Catherine Deneuve, Marcello Mastroianni, John Malkovich, Claudia Cardinali).

Manoel de Oliveira filmava a vida como cenas de uma peça de teatro que não terminava. Conseguiu a proeza de oferecer a Portugal, um país sem indústria cinematográfica, a autoria de uma linguagem própria para o cinema. A sua linguagem.

Sem comentários: