O
Manoel de Oliveira morreu ontem à tarde. Tinha 106 anos e dezenas: de longas-metragens,
de curtas-metragens, de documentários, de prémios internacionais, de condecorações,
de homenagens.
Nasceu,
iniciou a sua filmografia (Douro, Faina
Fluvial) e morreu na cidade do Porto. Uma cidade que povoou as suas
memórias (Porto da Minha
Infância) e inspirou o seu humanismo (Aniki Bóbó). Quando vi este filme pela primeira vez não conhecia Manoel
de Oliveira e incluí-o na grande amálgama de filmes do cinema português dos
anos trinta e quarenta. Era, contudo, um filme dissonante. Foi mal recebido
pelo público da altura (1942) e pateado nas salas de cinema.
A morte de Manoel de Oliveira
foi um acontecimento triste. Para Portugal. O presidente da república leu uma
mensagem comovente e apareceu na cerimónia fúnebre. Pôde fazê-lo porque Manoel de
Oliveira não o afrontou especificamente. Tal não foi o caso de José Saramago.
Cavaco Silva confunde a função com a pessoa e acha que a função se chama Cavaco
Silva. Chama-se a isto o narcisismo político ou a tacanhez de um político.
Manoel de Oliveira faz
parte da história de Portugal que conhecia como ninguém a partir dos seus
segredos (Cristovão Colombo – o Enigma),
tragédias (Non, ou a Vã Glória de Mandar,
Le Soulier de Satin), mistérios (O
Velho do Restelo) e revelações (Quinto
Império, Um Filme Falado).
Provavelmente não era
um cineasta mas um sonhador das suas próprias histórias e das histórias da
literatura (O Gebo e o Homem, Amor de Perdição, A Carta, Os Canibais, Francisca). Admirava profundamente o
povo português a partir da cultura popular (O
Acto da Primavera) e das figuras que construíram a sua identidade como é o
caso do Padre António Vieira (Palavra e
Utopia), de Agustina Bessa-Luís (Francisca),
de Camilo Castelo Branco (Amor de
Perdição), de Eça de Queiroz (Singularidades
de Uma Rapariga Loura) ou de Machado de Assis (Igreja do Diabo).
E sempre a tragédia
amorosa. Os portugueses envolvidos na saudade permanente do amor, por vezes de um
amor religioso (O Passado e o Presente,
Benilde ou a Virgem Mãe, O Princípio da Incerteza, Belle Toujours, O Estranho Caso de Angélica).
Uma mulher muito especial, simultaneamente portuguesa e onírica.
Hoje ficámos a saber
que todas as grandes figuras públicas e políticas admiravam –de longa data- a
filmografia de Manoel de Oliveira e o homem. Eu acho que a maior parte dos
portugueses não conhecem os seus filmes (excluindo Aniki e Bóbó), insubordinaram-se durante as exibições dedicadas às
escolas do Amor de Perdição, tinham inveja
da sua longevidade e têm a consciência que a sua obra era reconhecida no
estrangeiro, em festivais de cinema e por países relevantes na cultura europeia(a França ou a Itália).
Sabiam ainda, que muitos actores estrangeiros de renome entraram nos seus
filmes (Catherine Deneuve, Marcello Mastroianni, John Malkovich, Claudia
Cardinali).
Manoel de Oliveira filmava a vida como cenas de uma peça de teatro que não terminava. Conseguiu a proeza de oferecer a Portugal, um país sem indústria cinematográfica, a autoria de uma linguagem própria para o cinema. A sua linguagem.
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