Morreu hoje o maior jogador de futebol português e um dos maiores jogadores mundiais de todos os tempos. E subiu hoje à condição de lenda, uma parte da nossa memória colectiva.
Não vi jogar Eusébio nos seus anos gloriosos, quando conquistou com o Benfica a Taça dos Campeões Europeus de 1961-62 e com a selecção nacional o 3.º lugar no campeonato do mundo de futebol em 1966. Quando tomei consciência da sua importância tive de reconstituir a história recente e analisar o verdadeiro significado da figura de Eusébio. E hoje, é talvez um dia em que posso contribuir para essa análise.
Nos anos sessenta, o Portugal da guerra colonial, ostracizado pela comunidade internacional, fornecedor de mão de obra barata para os países europeus, pobre e analfabeto tinha poucos motivos de orgulho. Salvava-nos a história dos longínquos descobrimentos, Amália Rodrigues e Eusébio. Eusébio e o Benfica eram partes determinantes do nosso soft power. E Eusébio foi vítima desta circunstância: oliveira salazer não o deixou sair para o futebol italiano argumentando que era património de Portugal.
Eusébio é o símbolo de um certo tipo de génios do futebol, nascidos em bairros muito pobres de cidades grandes de países pobres, que aprenderam a jogar com bolas de trapos e que fizeram do futebol a sua forma de agarrar um destino: Garrincha, Pelé, Maradona, Eusébio. E Eusébio tinha a singularidade de ter nascido num país (Moçambique) colonizado por outro país (Portugal), ambos a lutar contra a pobreza, aquela doença endémica que ajusta a alma antes do destino.
E foi este povo apoiado nos joelhos, vergado à história de uma guerra e de uma miséria interna que sonhou ao lado de Eusébio, que riu e chorou, que sofreu e chorou com ele como se fosse um familiar: um filho, um neto, alguém de casa. E este povo esquecia um pouco esta doença endémica e aquele destino apontado aos seus filhos. E gritava esfuziantemente os golos loucos que Eusébio marcava nas balizas dos adversários, a felicidade vivida através deste felino que vencia todos os obstáculos e continuava menino. E porque era menino, chorou. Chorou como mais ninguém chorou depois dele uma derrota, o afastamento de Portugal da final do campeonato do mundo de 1966.
A arte e a imaginação são difíceis de definir. No desporto ainda mais. Mas ao ver Eusébio driblar, rematar, simular, centrar, não tenho dúvidas que a história das criações humanas incluirá, como uma das suas mais eloquentes expressões, os golos de Eusébio.
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