José Sócrates está preso no Estabelecimento Prisional de Évora. O Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa decretou a sua prisão preventiva. A investigação criminal detectou indícios de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção no exercício de cargo público.
A história de Portugal ensina que nunca um primeiro-ministro da República foi preso na sequência de acusações semelhantes. Durante a Monarquia não quero ser tão definitivo. O Marquês de Pombal que ocupou um cargo funcionalmente semelhante ao de primeiro-ministro, o de secretário geral do Reino, foi demitido, julgado e condenado por abuso de poder e corrupção. Não foi preso, aparentemente em vista da sua idade avançada, mas foi desterrado para uma distância superior a 20 léguas da Corte.
Não é um exercício de raciocínio analógico. As épocas históricas são distintas, os regimes políticos e as formas de governo são antagónicas: a monarquia absolutista de inspiração iluminista em contraposição à república democrática constitucional.
Interessa-me neste ponto uma perspectiva tendencialmente antropológica. Não sei se José Sócrates é culpado da prática dos crimes que está indiciado. Respeito a presunção de inocência como garantia constitucional ("Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa") e como princípio estrutural das sociedades democráticas.
Mas sob o mesmo ponto de vista, também devo presumir inocentes os arguidos de outros casos recentes como os dos "Vistos Golden", "BES/Ricardo Salgado" e mesmo, "Duarte Lima/Homeland" até ao trânsito em julgado de uma qualquer sentença de condenação.
José Sócrates teve um intuito reformador para a sociedade portuguesa. O plano tecnológico, a educação (pré-escolar, novas oportunidades), a investigação científica e tecnológica, as energias alternativas, a reforma da segurança social, a expansão internacional da economia portuguesa com base nos princípios da real politik, a simplificação administrativa (simplex), a conclusão de obras públicas projectadas há várias décadas (barragem do Alqueva). Não foi o único que tentou fazer estas reformas. Existe uma consciência latente na sociedade portuguesa, desde a perda do império, segundo a qual devemos procurar um novo desígnio. Assim surgiu a integração europeia e a própria adesão à zona do euro. José Sócrates assumiu esta consciência latente de forma mais determinada e consequente. E dispôs-se a ser radical no discurso contra os adversários e, sobretudo, contra os meios de comunicação social.
Do ponto de vista humano, a truculência das ideias e dos projectos, sobretudo em sociedade adormecidas como a portuguesa, tende a desafiar os limites dos princípios democráticos e legais.
Este pecado é mais facilmente escrutinável nas sociedades ocidentais, democráticas e mediatizadas do século XXI, e muito menos nos regimes autoritários ou totalitários como a monarquia absolutista do século XVIII.
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