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sábado, 15 de março de 2014

Manifesto dos 70 - uma proposta de convergência

Eu assinaria o denominado Manifesto dos 70, o documento assinado por 70 personalidades da vida  portuguesa, em que é proposto um caminho genérico de reestruturação da dívida pública portuguesa como ponto de partida para a indução do crescimento económico.

E os motivos que me levariam a tomar esta atitude dividem-se, de forma essencial, em dois grupos: os motivos decorrentes das propostas apresentadas e os motivos decorrentes da circunstância da sua existência.

As propostas apresentadas antecipam a necessidade de reduzir a taxa de juro da dívida pública acumulada (o stock da dívida pública) e de alongar drasticamente os prazos para o seu pagamento (prolongar o período para pagamento em pelo menos 40 anos). Adicionalmente, o Manifesto propõe a inclusão do país, de forma precoce, no processo de discussão da reestruturação das dívidas públicas da zona do euro que, aparentemente, já terá sido iniciado pela própria Comissão Europeia. 

O Manifesto dos 70 não rompe com o quadro institucional europeu, pelo contrário, pretende colocar o país, precocemente, no âmbito de uma discussão que considera politicamente inevitável e historicamente oportuna: a estratégia para o cumprimento pelos países da zona do euro do limite de 60% do PIB para a dívida pública.      

Por exemplo, em 2011, o Eurostat informava que apenas 3/17 países da zona do euro respeitaram os limites máximos para o défice e a dívida pública previstos no Pacto de Estabilidade e Crescimento, isto é, défice e dívida dentro dos patamares de, respectivamente, 3% e 60% do produto interno bruto (PIB): Estónia, Luxemburgo e Finlândia. A Alemanha cumpria o critério do défice e não cumpria o critério da dívida (dívida pública de 80% do PIB). A disfuncionalidade da zona do euro estende-se ainda a outra realidade: a falta de crescimento económico.

O diagnóstico é razoavelmente claro: a crise financeira que se tornou evidente em 2008 constituiu um teste de stress à União Económica e Monetária (UEM), em que esta reprovou de forma muito evidente. Mas a reprovação neste teste foi particularmente obscena para os países com as economias mais frágeis: Portugal, Grécia, Irlanda.

A circunstância da existência deste Manifesto, por sua vez, exprime um acto de mobilização da sociedade portuguesa, a estimulação do debate de ideias e a ruptura com o sentido único do raciocínio que ameaça estrangular a consciência das pessoas. E, surpreendamo-nos, um apelo ao famoso consenso, tão badalado e tão pouco praticado. 

Entendamo-nos, um manifesto não é um documento exaustivo. E, portanto, o Manifesto dos 70 cumpre um objectivo muito estrito: apresenta propostas para a indução do crescimento económico português no respeito institucional pela União Económica e Monetária no momento em que Portugal termina o Programa de Ajustamento assinado com a troica e em que se avizinham as eleições europeias.

A circunstância da existência deste Manifesto é um acto de exercício da democracia, inscrito na secular tradição europeia. Diz o governo que é "triste" e que foi na "pior altura possível". O que perturbou o governo, a maioria, os comentadores dos blogues e dos media, foi a apresentação de uma crítica à filosofia da austeridade pura. Os mercados, muito mais inteligentes do que estes, nem deram por isso.      

Mais tarde analisaremos aqueles que me parecem ser os aspectos criticáveis das propostas apresentadas pelo Manifesto dos 70.

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