O fisioterapeuta desaconselhava. Passava meia hora das onze horas da manhã. O sol já ia alto. Transposta a temível subida de 500 metros às costas de 170 cavalos, restava-me percorrer a distância restante em passo de corrida.
No passeio passavam em sentido contrário turistas com o ar benevolente de quem compreende o esforço. A solidariedade dos ingleses e dos holandeses é culturalmente muito interessante.
Devia ter treinado mais. E não devia ter corrido ontem. Os músculos das pernas tolhiam a passada. Sobretudo, os músculos das pernas: os gémeos (gastrocnemius na nomenclatura latina adoptada pelos anglo-saxónicos) e o Tendão de Aquiles. O herói morreu por causa do dito, caso contrário ainda teria inspirado mais uma epopeia grega a Heródoto.
A pequena descida que iniciei permite-me descansar. É curioso como os povos fazem sínteses que nem os governantes conseguem imaginar: um inglês vestido a rigor com uma camisola da selecção inglesa e na lapela a bandeira de Portugal. O internacionalismo é sempre bonito de ser observado.
Mais uma inclinação: agora a subir. O Suor com bátegas escorre-me pela testa e pelo pescoço. Vem aí uma descida alucinante. Mas tenho de procurar a passadeira para prevenir o acidente.
Na batalha das Termópilas os gregos e os persas também combateram sob calor intenso e sem o auxílio dos motores de combustão. E diz-se que apesar de derrotados pelos persas, os espartanos conseguiram o seu objectivo: atrasar a progressão em direcção a Atenas. O meu objectivo é não parar até à praia. Não me interessa que a minha passada seja agora tudo, menos elegante. Devo estar a fazer uma linda figura. O que vale é que levo óculos escuros.
Estou agora em terreno plano e curvo para entrar numa rua essencialmente comercial. Aquela hora, em torno de várias mesas de café, grupos de pessoas desfrutam do prazer da observação desatenta. Aquela observação indistinta que caracteriza o semblante do ser humano em férias.
Reparo que os anúncios têm sempre o texto em duas línguas, o português e o universalista inglês. Alguns erros também acrescentam dimensão global aos escritos.
Mantenho-me em terreno plano, mas agora não existe assomo de sombra onde possa fazer de conta que arrefeço. Até à praia a temperatura vai subir, o terreno tornar-se-á irregular. Temo aqueles pequenos buracos que trazem a instabilidade ligamento-articular da tibio-társica para as primeiras páginas do meu pensamento.
A minha t-shirt está completamente repassada de suor. Comprovo que o suor é um líquido salino. Lembro-me de que a fibrose cística é um defeito genético (cromossoma 7 -região q 31) de transporte, mas do cloro nas mucosas. O meu sistema de transporte está no limite do esforço. Entro na última parte do percurso: 100 m até à praia. Sinto que vou cumprir o objectivo. Mais uma passadas. Tenho de arranjar uma fita para a cabeça para evitar que o suor provoque este intenso ardor nos olhos que estou a sentir.
Cheguei. Aguardam-me a Teresa e o Paulo. Partiram há algumas horas e cumpriram o dobro do trajecto. Olham-me de forma condescendente. Em todo o caso, não esperavam que estivesse disposto a tamanho esforço. Penso para mim: amanhã vai haver mais.
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