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sábado, 17 de maio de 2014

A contra-reforma e o dia em que a troica deixou Portugal



A História de Portugal não é um tempo que nos sirva de exemplo. Quando os portugueses, cada vez menos frequentemente, diga-se, procuram referências naquilo que nos aconteceu no passado como sociedade, encontram muito poucas justificações para as opções estratégicas actuais.


Este país é, por estes dias, o país das reformas estruturais. O país em que se projectam e realizam mudanças na estrutura da sociedade com o objectivo de obter melhorias sociais e económicas. 
Recuando cinco a seis décadas, e sem preocupações de precisão histórica, encontramos os partidos socialistas e sociais-democratas ou democratas-cristãos a reivindicarem a mesma proposta histórica. Portugal, como país democrático, só após o 25 de Abril entrou nesse debate, que parecia eterno, entre a reforma e a revolução. Na Europa, e em Portugal, venceu a reforma. E a reforma supostamente mudou a sociedade e tornou-a mais justa: saúde, educação e emprego como direitos humanos assegurados de forma universal (tendencialmente) por serviços públicos e leis inclusivas. A liberdade económica dos mercados seria (era) regulada de forma activa através de intervenções específicas em sectores estratégicos, em doses e posologias variáveis. Em resumo, a economia subordinada aos princípios sociais e políticos. 


Este é o exemplo de uma mudança estrutural nas economias e nas sociedades, efectuado através de forças políticas e sociais reformistas, não revolucionárias. Outros exemplos são a transformação de uma economia de subsistência numa economia industrializada ou a transformação de uma economia mista regulada numa economia liberalizada, com o predomínio das forças do mercado sobre as decisões políticas e económicas. Outra mudança estrutural actualmente em curso na economia mundial é a globalização.   


As reformas estruturais defendidas pelo sector político do centro-direita, na Europa e em Portugal, que têm como paradigma as “mudanças na estrutura da sociedade com o objectivo de obter melhorias sociais e económicas” não são mais do que um movimento de contra-reformas na medida e que contrariam o sentido das reformas estruturais do século XX. Aqui, o que quero salientar é apenas o carácter envelhecido das contra-reformas (ditas reformas estruturais) e não a adequação das mesmas à realidade social mundial.


O movimento das contra-reformas (denominado das reformas estruturais) assume algumas tendências major como a desprotecção e desfavorecimento do factor trabalho na sua relação com o factor capital, a relativização do Estado como organização que promove a redistribuição dos rendimentos através da garantia universal do acesso à saúde, à educação, à justiça e à segurança. Na raiz mais profunda deste movimento está uma convicção fundadora de que a promoção das políticas de redistribuição económica tem efeitos prejudiciais na criação de riqueza e na competitividade das economias a uma escala mundial.


Já agora uma pequena reflexão sobre o dia de hoje: o “dia em que a troica deixou Portugal”. Saiu, mas vai voltar semestralmente nos próximos vinte anos para monitorizar as condições para o reembolso do empréstimo. Saiu, mas deixa aqueles que quis ir além do programa de ajustamento económico e financeiro (o memorandum). Saiu, mas deixou este povo de pessoas quiescentes. Saiu, mas deixou o país com uma dívida pública muito superior à que encontrou. Saiu, mas deixou um país com quarenta por cento de desemprego entre os jovens. Saiu, mas deixou a reforma do Estado por fazer. Saiu, mas deixou os mesmos interesses instalados de sempre. Saiu, mas deixou uma diferença maior entre classes de rendimentos sem horizonte para ser corrigida pela competência. Saiu, mas deixou os mesmos nepotismos de sempre. Saiu, mas ficou. Ou, se calhar, nunca cá esteve. Estivemos sempre nós ou alguns de nós por nós.

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