Pesquisar neste blogue

domingo, 12 de janeiro de 2014

Marche à petits pas

É tradicional dizer-se que o país não tem uma estratégia. Não tem uma estratégia para o desenvolvimento da sua economia, para o aproveitamento dos recursos marítimos ou para a criação de emprego. Não tem uma estratégia para a investigação e desenvolvimento tecnológico, para o aproveitamento das novas tecnologias (que entretanto envelheceram), para a integração no curso da globalização. O país não tem uma estratégia para a crise demográfica em que já está imerso (envelhecimento, emigração) nem para a arquitectura de funções que o aparelho do estado deverá cumprir.

A opinião pública, os comentadores, os jornalistas, os académicos a prepararem as teses ou no período pós tese, os partidos políticos que preparam os movimentos de levantamento social que, desejam, possam construir as alternativas de governo, mas também a pequena assembleia do café ou o círculo ruidoso das reuniões familiares, afirmam este conceito tão generalista. 

Todavia, aquilo que pode constituir uma surpresa poder ser afirmado, eu acho que existem estratégias, pelo menos para alguns problemas da sociedade portuguesa.

Veja-se a forma como o governo português aborda a questão da estratégia para o desenvolvimento económico. Não existe nenhum documento público em que este assunto seja abordado especificamente. Mas existe um documento previsto em protocolo anexo ao Tratado da União Europeia (Tratado de Maastricht), o Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) que exige que os países da zona euro se comprometam com os mesmos objectivos macroeconómicos como sejam um défice público de 3% e uma percentagem de 60% da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).

O governo português não define sectores preferenciais para os quais canalizaria os recursos financeiros e técnicos mais apropriados. O governo português aposta nas exportações e, por isso, faz diplomacia político-económica, toma medidas para reduzir os salários e os rendimentos do trabalho e desce a taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC).  

O governo português não coloca defronte da tróica medidas e metas alternativas às previstas no memorando de entendimento. De forma mais simples, procura cumprir os requisitos e espera a compreensão do Banco Central Europeu (BCE), da Comissão Europeia, do Fundo Monetário Internacional e dos míticos mercados para a situação de pre-falência do país. Ao mesmo tempo, espera pacientemente que a política de compra de títulos do tesouro dos países sob resgate aplicada de forma sub-reptícia pelo BCE comece a fazer efeito.

O governo português não tem uma perspectiva sobre o modo como vamos sair do programa de assistência no próximo mês de maio. O governo português aplica a estratégia do convencimento benigno junto da tróica e da Alemanha: através da política do bom comportamento judicioso, pretendemos demonstrar que merecemos ajuda para os próximos anos, talvez para a próxima década. Que tipo de ajuda merece Portugal? Para o governo português isso não é importante. Qualquer coisinha é boa. E se não formos contundentes na exigência colheremos benefícios inesperados, até porque os gregos têm um comportamento sacrílego e ficarão em desvantagem técnica.

Esta é a estratégia da marche à petits pas. Típica dos doentes vítimas de enfartes cerebrais lacunares múltiplos, este tipo de marcha permite deambular. E sobretudo hoje em dia, com os procedimentos disponíveis para obter a prevenção secundária de novos acidentes isquémicos, estes doentes vivem mais tempo. Mas recuperar a autonomia do seu funcionamento diário é impossível.

A estratégia da marche à petits pas desenhada por este governo desde o início para durar até ao fim da legislatura e talvez mais além, confirma o fim da autonomia do país, o seu empobrecimento definitivo, a sua dependência em relação às instituições da zona euro.

Sem comentários: