Todos os anos, em Agosto, observo o céu à noite. Observadas do Alvor as estrelas da Ursa Menor tornam-se mais nítidas: distinguem-se da nuvem de "poeira" que preenche o céu. Ainda identifico a Ursa Maior e a Cassiopéia.
A observação demorada das estrelas da Ursa Menor, não determina nenhuma modificação no seu movimento: direcção, sentido, velocidade, aceleração e posicionamento da Estrela Polar.
A minha teimosia de observador (a olho nu) não consegue introduzir qualquer revolução no aspecto daquelas estrelas. Continuam a mesma existência de sempre. Desde que as observo que mantêem uma perspectiva dogmática da existência: qualquer pergunta é absorvida e a resposta adiada para o ano seguinte. E contudo, movem-se. Não tanto como a Terra (Alvor incluído), mas movem-se.
No ano passado olhei a Ursa Menor e lembro-me que me irritei com a sua indiferença perante o sofrimento humano. Um amigo lutava contra a doença. Contra a síndrome de disfunção múltipla de orgãos. A tempestade inflamatória que o atingia não tinha qualquer significado para o Universo, que inexoravelmente seguia o seu movimento. Lembro-me que senti uma impotência infinita.
Um ano depois, lembro-me daqueles momentos com angústia. E um ano depois olho-a e sinto que lhe devo um pedido de desculpa por não a ter encostado ao meu peito para sempre.