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quinta-feira, 23 de agosto de 2007

A corrida II (com 500 m de subida)

Manhã de um dia que se avizinhava de calor. Decidi renunciar aos 170 cavalos inventados por Rudolf Diesel. Os 3,5 km com 500 m de subida tinham de ser vencidos. Ao fim e ao cabo: fazer uma corrida (com 500 m de subida) para ir para a praia.
A T olhou para mim com aquele olhar de incredulidade que o esverdeado da íris torna penetrante: "que chatice, assim tenho de ir mais devagar".
Vamos lá a definir os objectivos: 1) percorrer a subida de 500 m em passo de corrida (não sei qual é a percentagem de inclinação, mas para mim é uma espécie de etapa da Senhora da Graça); 2) percorrer em passo de corrida toda a distância até à praia; 3) acompanhar a passada da T.
Concentro-me na subida. Tenho de aliviar os gémeos e por isso aumento a passada. Aos músculos da coxa é agora exigido um esforço sem piedade. Tenho de manter a velocidade constante mesmo que a inclinação da subida aumente. A T afasta-se. Max Planck também estabeleceu uma constante para calcular a velocidade do fotão. O que ele suou sem correr!
O meio da subida coincide com a passagem de vários automóveis que fazem o percurso em sentido inverso: a arrogância de subir sem motor auxiliar atinge níveis elevados. É importante para promover uma descarga adicional de adrenalina.
A T volta para trás para me incentivar. Não posso parar: agora é tudo muito complicado. O óbvio nestas circunstâncias é apelar à teoria da relatividade. Resolve tudo, porque raros são os seres humanos que a compreendem e serve para aliviar o sofrimento físico e justificar a interrupção do esforço.
Inverto do óbvio para a líbido. Demasiado fácil: Freud e Jung já explicaram e não deixaram qualquer registo analítico em que comparassem uma subida de 500 m em passo de corrida como uma manifestação da libido. Talvez Santo Agostinho: dedicou-se a categorizar o desejo. Deve estar algures entre a libido sentiendi (a líbido sensual) e a libido dominendi (desejo de dominar, neste caso o sofrimento físico).
Estou quase no alto da colina. Estou encharcado. A T volta de novo para trás e exclama: "endireita o tronco!". Respondo: "assim é mais aerodinâmico!".
Quando reparei estava em terreno plano e continuava a correr. Senti o renascer do folgo. Tinha agora o segundo objectivo pela frente. Algumas subidas, pequenas descidas. Mas sobretudo, terreno plano. E também mais calor, mais suor.
Estava convencido que a partir de agora só contava a mente. Os músculos estão esgotados. Pequenos obstáculos (transeuntes, cães, o ressalto dos passeios, mudanças de direcção) eram penosamente transpostos.
Finalmente: cumpri o segundo objectivo. A T exultava. O terceiro objectivo ficará para uma outra oportunidade.

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